Caminho pelas ruas e tropeço no cotidiano da cidade. Pessoas, aparentemente desgovernadas, circulam de um lado para outro. Muitas, obcecadas com o celular, outras com sacolas de compras nas mãos ou bolsas a tiracolo. Mães empurrando carrinhos de bebês, crianças carregando a mochila da escola. Ciclistas e motoqueiros ora confundem os passos dos pedestres, ora se surpreendem com a virada inesperada dos automóveis.
As lojas ocupam suas áreas privativas e, frequentemente, invadem o espaço público com suas gôndolas de promoção. Andar pela calçada é uma maratona de obstáculos: pipoqueiros, ambulantes, filas de pessoas esperando ônibus, entregadores de panfletos acenando com as propagandas, bancas de revista com clientes ao redor, a “sala de visita” dos fumantes na frente dos edifícios, policiais parados nas esquinas falando ao telefone, garis e seus latões de coleta de lixo, tapumes e andaimes de construção, motos e bicicletas estacionadas em cima da calçada, sacos e sacos de lixo aguardando o caminhão da madrugada, mesas de bares e cafés ao ar livre. Sem contar com os buracos, as poças de xixi e o cocô dos cachorros. Todo mundo disputando o metro quadrado para fazer a vida ou se deslocar por ela.
Tento me concentrar no caminho, mas a realidade captura meus sentidos. Cenas banais. Umas, bizarras, misturando o lugar-comum e o inusitado ao mesmo tempo. Difícil seguir em frente sem se deixar afetar pelo habitual descaso das pessoas que param no meio da calçada estreita para conversar ou que atravessam a rua, por entre os carros, complicando até a vida do motorista cauteloso. Ainda tem aquelas que atravessam vagarosamente a faixa de pedestre, mas com o sinal vermelho para elas. Talvez em represália aos carros que quase sempre bloqueiam as faixas.
Em alguns momentos o trânsito para completamente, mas é na calçada que o congestionamento fica irritante. As pessoas tentam dar um passo a mais e se deparam com uma dança divertida, para quem não está com pressa. Verdadeiro pas de deux, daqueles em que se trava uma batalha para ver quem está no controle e quem deve conceder passagem. Embora “normal”, há um tom de estranheza nessa movimentação.
Um rótulo de indiferença colado na atitude urbana. De civilidade, resta pouco no espaço coletivo. Sorriso e “bom dia” são raridades. Troca de olhar e gentileza já entraram em extinção. Em meio a esse caos, não é por acaso que os “sem teto” se tornam socialmente invisíveis. As pessoas tropeçam na própria miséria; seria esta a razão do desprezo pelos pobres enrolados em jornal ou em cobertores sujos?
Onde está o bom senso das pessoas? Onde?
Procuro identificá-lo nos gestos dos transeuntes, mas seus comportamentos denunciam outros tempos: em que o trivial é cuidar do próprio umbigo. Por isto, o tempo urge e o engrandecimento da alma precisa ser, amplamente, reforçado. Tem alguém aí para ajudar a resgatar a urbanidade, no sentido de gentileza, cortesia e atenção com o próximo? Como sinônimo da amabilidade no trato com as pessoas e do respeito ao humano em cada um de nós.
Alguém aí… por favor?!
Conteúdo e forma excelentes. Texto claro, objetivo, gostoso de ler e perfeito na descrição. Parece que estamos caminhando pela calçada, junto com os transeuntes e vivenciando a problemática de uma cidade grande, sentindo os esbarrões das pessoas e a falta de civilidade.
Parabéns
Maria Luiza